sábado, 13 de setembro de 2008

a coisa tão rica...

O grande mosteiro de S. Miguel de Refojos, è de longe a maior pérola do nosso património arquitectónico, é um daqueles espaços com capacidade de ancorar a ele toda a envolvente, a escala com que foi construído tinha essa função , e também a de se fazer apreciar, e seduzir qualquer humano que o observa. Penso que a história que nos é contada está desprovida da beleza e sensibilidade da arte que o conceberam, dizendo apenas quem fez e quem mandou fazer, os factos trágicos que o marcaram, não revelando mais nada alem daquilo que os olhos vêem ,mas continuando a esconder os conceitos bases desta criação, que determinavam que o edifício tivesse a configuração que tem e as razões da escolha dos materiais, e também da implantação do edifício neste local. Em primeiro lugar parece-nos importante inserir a obra e o pensamento religioso que lhe esta adjacente e no contexto histórico cultural. Temos que perceber que a igreja naquela altura numa estratégia de recuperação dos fieis perdidos pela contestação da Reforma Protestante, reuniu-se no concilio de Trento, para a determinação das directivas a adoptar pela igreja. Onde estabeleceu a adopção do estilo barroco, com todo o conteúdo que lhe está adjacente ,como o estilo artístico oficial a adoptar, desde a arquitectura, pintura, musica etc. Determinando -se também um seccionamento do espaço dentro das igrejas, notando-se claramente a estratificação social da época, por isso é que ainda vimos hoje de forma clara a divisão do altar onde estaria o clero, a nobreza no transepto e o povo no fundo da igreja. como o tipo de planta adoptar, em cruz latina etc. A sua localização foi determinada pelo facto de na época o local ser pouco habitado, e dono de uma beleza bucólica que ainda hoje é notória, ideal para o retiro da vocação religiosa que tinha que estar ligada aos mosteiros, deriva do latim monos + asterium , lugar só ) outra das razões seria a presença próxima de agua, que por simbolismo está presente na eucaristia, e também como fonte para toda a vida e trabalhos do mosteiro.
Os materiais petreos do exterior contrastam com a talha dourada no seu interior, querendo-se enfatizar o interior em relação ao exterior, aludindo à importância dada ao interior do corpo( parte espiritual) e o desprezo pelo exterior do corpo, (parte material). Por isso os materiais que se alteram com o passar do tempo, e que estão sujeitos a ele, estão no exterior, enquanto no interior mais a talha dourada, e como o tempo não se faz passar pelo espírito, associaram ao ouro grandes potencialidades simbólicas , e segundo o pensamento da época o ouro é o mais precioso dos metais, uma substancia pura cujas qualidades físicas o tornam especialmente dotado para resistir á acção do tempo: é incombustível, não cria ferrugem, não tem cheiro nem sabor, dando por isso ao fiel uma antevisão do próprio céu do qual o altar pela sua ostentação se oferece como porta principal para a eternidade. O altar mor é da autoria de Frei José Vilaça discípulo de André Soares (arquitecto da fachada) e toda a riqueza da decoração deste , provem do horror ao vazio demonstrado pelo estilo barroco no qual se nota já formas do rocócó . onde o frei alia á simetria e ao rigor formas orgânicas e naturalistas, na tentativa de exultar toda a natureza. O espaço do mosteiro é caracterizado pela dinâmica pelo seu aceleramento, por isso se nota a conjugação da recta com a curva, lado a lado, e a circunferência utilizada nas cúpulas até ao afirmar do estilo barroco ,foi substituída pela elipse, pois keppler fez a descoberta que o movimento dos planetas em volta do sol era elíptico e não circular, influenciando esta perspectiva cientifica todo o espírito artístico da época. Assim a luz pelo forma como é controlada empresta também ao espaço, sensações de surpresa ao próprio espaço e também á forma de observação da obra de arte, ao não se iluminar todos os espaços os arquitectos da altura pretendiam criar cenários de contraste entre as partes, dando um ar dramático e de surpresa, pois pretendiam envolver o fiel num cenário criado onde as figuras já não tem a função de estabelecer ligações com o divino mas principalmente de causar sensações sobre os fieis, por isso é que é fácil de observar por todo o mosteiro, figuras fantasmagóricas que parecem tiradas do imaginário medieval, e também com expressões que reflectem bem o espírito barroco na captação instantânea de uma acção violenta que resulta na expressão dramática, de reparar por exemplo na expressão do rosto de Jesus Cristo. Os órgãos são essenciais ao esplendor litúrgico da época e apresentam duplo interesse: como instrumento musical e como obra de talha. Estes da autoria de António Solla,estão colocados nas paredes laterais junto ao coro, um deles é mudo e existe como equilíbrio simétrico. E o outro também não toca mas pela boa acção da autarquia, em parceria com outras entidades vai voltar a tocar. De notar nos órgãos o sacrifício que se dá ao demónio de o estar a carregar eternamente, este papel tem a ver com o domínio que S. Miguel sempre teve sobre o mesmo. Este tesouro não é digno de ter reforçada a sua centralidade turística nesta terra? Não mereceria uma envolvente que lhe desse mais respeito? Como vêem a arte que nele mora não se resume em pedras, madeira e ouro, mas numa força artística e simbólica que aos tempos de hoje pode não ter a força de outrora, mas deveria continuar a merecer pelo menos uma nota retributiva daquilo que ele continua a dar á nossa terra.
Que politicas de futuro(nome do ciclo de conferencias) a câmara tem adoptado com base nas excelentes observações que o Frei Geraldo Coelho Dias referenciou na conferencia “Valorização do Património Religioso de Cabeceiras de Basto”.
Não seria mais correcto adoptar uma estratégia de valorização do património arquitectónico e cultural( isto engloba o mosteiro) de forma a conseguir recuperar também os solares que se estão a perder na nossa terra, e aliar toda esta rede patrimonial como locomotiva para o turismo da região?
um aparte: (Ouvir Bach dentro do mosteiro foi uma das boas experiencias que tive, o conjunto é de uma beleza impar, e consegui perceber todo aquele espirito da época em que o mosteiro foi construido, fazendo-me pensar na altura que tinha inventado uma maquina do tempo bem melhor que as de H. G. Wells e que o mosteiro seria a realidade mais próxima do" De Lorean" da série "regresso ao futuro".... - Oh arte, o que me fazes!!!).

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